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E QUEM NÃO ADORA O NATAL? Expectativas, Sobrecarga e Emoções que Coexistem

  • Foto do escritor: clinicadasein
    clinicadasein
  • há 12 minutos
  • 5 min de leitura

O Natal é, culturalmente, apresentado como um tempo de união, de pausa e de aconchego: Uma época de encontros felizes, mesas cheias, conversas demoradas e a sensação de pertença que parece suspender, por alguns dias, as pressões do resto do ano. A publicidade, os filmes e as narrativas sociais reforçam esta imagem: famílias reunidas, sorrisos fáceis, tempo que abranda, emoções boas partilhadas.

O Natal surge, assim, como uma promessa emocional: a ideia de que devíamos sentir nos mais próximos, mais gratos, mais felizes. Mas será que é mesmo isto que sentimos?


Para muitas pessoas, o Natal é vivido num contexto que está longe de ser leve.

No trabalho, é frequentemente um período de fecho de ano, com prazos, avaliações, decisões e responsabilidades acumuladas.

Em casa, as crianças chegam ao final do período letivo cansadas, mais irritáveis e com rotinas desorganizadas, exigindo ainda mais de adultos que sentem que as últimas férias já pertencem a um passado longínquo.

A isto soma-se uma sobrecarga logística e sensorial difícil de ignorar: o mau tempo e o desconforto físico, a preparação das ceias, a compra de presentes, os espaços cheios, o trânsito, a pressa constante e, no fim, os gastos financeiros acrescidos que esta época implica e que exigem esforço e planeamento.

E há ainda a dimensão social: Convites, festas, jantares, encontros com amigos e familiares, tantas vezes vividos entre o desejo de estar presente e a sensação de não conseguir corresponder a tudo. Surge o sentimento de culpa: por faltar, por sair mais cedo, por não ter energia, por não estar “como devia”. A presença passa, em alguns momentos, de escolha a obrigação. O corpo e a mente chegam ao Natal sem verdadeira margem de descanso. Aquilo que, idealmente, deveria trazer prazer transforma-se facilmente numa sucessão de tarefas a cumprir.


E no fim, talvez de forma mais profunda, o Natal convoca a gestão das relações familiares. Decidir onde passar a consoada e o dia 25, dividir o tempo entre famílias, viajar longas distâncias, gerir todas as expectativas emocionais implícitas. Para além da logística, reativam-se dinâmicas antigas: fragilidades, egos, conflitos não resolvidos, silêncios que pesam.


Mesmo nos casos em que tudo parece tranquilo à superfície, o Natal tende a tocar em camadas emocionais profundas. Para além da forma como a época é vivida no presente, o Natal é também um tempo de memória. Recordações de outros Natais, pessoas que já não estão, relações que mudaram, perdas, separações... Não apenas lutos recentes, mas também ausências antigas que ganham novo significado nesta altura. Soma-se a isto a reflexão quase inevitável (e às vezes inconsciente) sobre o ano que termina: o que foi possível, o que ficou por fazer, o que mudou em nós. Não porque haja algo de errado, mas porque o próprio contexto convida à introspeção. Tudo isto ajuda a compreender a complexidade emocional com que muitas pessoas vivem esta época, em que diferentes emoções coexistem.


É possível gostar do Natal e sentir cansaço.


É possível amar a família e sentir tensão.


É possível viver momentos de alegria e, ainda assim, sentir tristeza, nostalgia ou saudade.


As emoções não se anulam entre si. O problema não está em sentir coisas diferentes. Está, muitas vezes, na ideia de que só algumas emoções são permitidas nesta época. Não sentir alegria constante não significa falhar o Natal. Significa estar a responder, de forma humana, a um contexto que é exigente. Gerir o Natal não passa por “pensar positivo” ou forçar uma vivência idealizada, mas por procurar reduzir a sobrecarga emocional desnecessária e criar espaço para um Natal possível.



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Algumas estratégias simples podem ajudar:

• Ajustar expectativas internas é igualmente importante: nem tudo precisa de ser perfeito, nem todos os encontros precisam de ser longos, nem todos os convites precisam de ser aceites. Presença não é desempenho.


• Criar pequenas pausas reguladoras ao longo destes dias (momentos breves de silêncio, uma caminhada curta, alguns minutos a sós antes ou depois de encontros familiares) ajuda o sistema nervoso a não entrar em modo de sobrevivência.


• Quando surgem as saudades ou a tristeza, pode ser útil olhar para elas com outra lente. Se há saudade, é porque houve vínculo. Se dói, é porque foi importante. A tristeza não invalida o amor nem os momentos bons, confirma a história que existiu. Dar espaço à memória, permitir pequenos rituais simbólicos ou momentos de recolhimento pode ser mais regulador do que tentar afastar aquilo que se sente.


• Criar novas tradições (pessoais) mais leves também pode fazer a diferença. Simplificar a ceia, reduzir os presentes, escolher um ou dois momentos que realmente importam, em vez de tentar manter tudo como “sempre foi”.


• Por fim, pode ser útil focar-se em algo concreto que se aprecia no Natal. Não no Natal inteiro. Um momento, um gesto, uma sensação. Podem ser as luzes ou a música da Mariah Carey. Algo pequeno, mas que seja verdadeiro.


Talvez o Natal não precise de ser vivido como é idealizado, mas como pode ser: suficientemente bom, com espaço para o que é bonito e também para o que pesa. Um Natal mais real, mais humano e, por isso mesmo, mais habitável.


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Pequenas negociações que podem aliviar o Natal. Embora este texto esteja centrado sobretudo na forma como nos relacionamos com as emoções e na construção de um Natal possível, há também pequenas decisões práticas que podem ajudar a reduzir tensões previsíveis e a tornar esta época mais habitável. Nem sempre é preciso fazer grandes mudanças. Às vezes, basta negociar o contexto:


• Em vez de presentes para todos, pode ajudar combinar uma logística diferente da habitual: optar por um amigo secreto, acordar como tema dar uma segunda vida a algo que já não usamos ou fazer os próprios presentes, reduzindo a pressão financeira e a carga mental associada às compras. • Se dezembro já está sobrecarregado, combinar com amigos um jantar de início de ano, em janeiro, pode permitir encontros mais tranquilos e com maior disponibilidade.


• Quando sabemos que certos encontros familiares tendem a gerar tensão, pode fazer sentido combinar previamente alguns temas a evitar (ou a abordar), levar um jogo de tabuleiro que envolva todos ou propor uma atividade conjunta que ajude a deslocar o foco e a criar momentos de ligação menos expostos ao conflito.


• Definir previamente um horário de chegada e de saída pode reduzir a ansiedade antecipatória e facilitar a gestão da energia ao longo do dia. • Dividir tarefas de forma explícita. Mesmo quando o Natal é em casa de outra pessoa, ajuda a evitar sobrecarga e ressentimentos silenciosos. Todos podem contribuir, mesmo em casa da tia Maria. Pequenas escolhas não resolvem tudo, mas podem criar mais espaço para estar, sentir e atravessar esta época com menos peso.



Inês Carpinteiro, Psicóloga

 
 
 

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