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Entre o Ser e o Sentir: Crescer com Emoções

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    clinicadasein
  • há 7 dias
  • 5 min de leitura

Autoconhecimento e Gestão Emocional em Crianças dos 6 aos 10 Anos

 

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A entrada no Ensino Básico marca uma etapa decisiva no desenvolvimento das crianças que passam de um contexto predominantemente familiar e lúdico para um espaço escolar estruturado, onde as exigências cognitivas, sociais e emocionais aumentam (bastante!). Nesta fase, surgem novas oportunidades de autonomia, responsabilidade e pertença, mas também novos desafios: passam a lidar com letras e números, com aprendizagens mais estruturadas e exigentes, com regras a cumprir e com a comparação inevitável com os colegas. É um tempo de descoberta, mas também de adaptação a um novo ritmo e a um contexto de grupo/turma, onde o ambiente já não está tão centrado nas suas necessidades individuais.

 

É neste contexto que o autoconhecimento e a gestão emocional ganham um papel central no equilíbrio e bem-estar da criança (e das famílias).

 

Com o início da escolaridade, as crianças começam a olhar para si próprias de forma diferente. Já não se definem apenas pelas características concretas (“sou rápido”, “tenho cabelo castanho”), mas começam a avaliar-se em relação aos outros. Esta comparação com os pares torna-se inevitável e vai moldando a perceção que têm de si (o seu autoconceito) e o valor que atribuem a essa perceção (a sua autoestima). Nesta equação,  olhar dos outros (colegas, professores, pais) também tem um peso crescente na forma como se veem e sentem.

Ao longo deste processo, o autoconhecimento começa a consolidar-se: a criança aprende a reconhecer as suas emoções, pensamentos, forças e limitações, e a refletir sobre eles. Já não se trata apenas de “o que sou”, mas de “como sou”, “como me sinto” e “como os outros me veem”.

Também do ponto de vista emocional se observa uma transição importante. A linguagem e o pensamento lógico, que se desenvolvem muito nesta fase, ajudam a dar nome e significado ao que sentem. As emoções continuam a ser vividas intensamente, mas começam a ser interpretadas mentalmente, não apenas sentidas no corpo.

Progressivamente, as crianças passam a compreender que é possível sentir emoções diferentes ao mesmo tempo, como ficar feliz por ganhar um jogo e, ao mesmo tempo, triste porque o amigo perdeu. Esta nova complexidade emocional anda de mãos dadas com o crescimento do pensamento moral e social: percebem que as emoções e ações têm impacto nos outros, desenvolvem a sua empatia e aprendem a responsabilizar-se pelos seus comportamentos.

 

Pouco a pouco, estas descobertas sobre o que sentem e como se relacionam com os outros ajudam-nas a encontrar formas de se acalmar, pensar e escolher como agir.

É aqui que o autoconhecimento dá lugar à aprendizagem da gestão emocional.

 

A gestão emocional é a capacidade de reconhecer, compreender e regular o que se sente. Entre os 6 e os 10 anos, esta competência está em plena construção: é um período de transição entre a regulação externa, orientada e assegurada pelos adultos, e uma regulação interna, (que procura ser) cada vez mais autónoma. As crianças ainda precisam de apoio e validação, mas começam a descobrir estratégias que funcionam para si, como pensar sobre o que aconteceu, reinterpretar a situação, afastar-se por um momento, respirar fundo ou pedir ajuda, entre outras. Aprendem, pouco a pouco, que as emoções não controlam tudo o que fazem e que podem escolher diferentes formas de responder ao que sentem.

Neste caminho, os cuidadores têm um papel fundamental. As relações afetivas seguras oferecem à criança um ponto de apoio estável, permitindo-lhe explorar o mundo emocional sem medo e confiar nas suas próprias perceções. Um ambiente emocionalmente validante, onde os seus sentimentos são reconhecidos e aceites em vez de ridicularizados, favorece a aprendizagem emocional e sustenta a autoestima. A forma como os adultos lidam com as suas próprias emoções serve de modelo. Se se sabem acalmar (e como), se pedem desculpa, se expressam o que sentem.... Mais do que aquilo que dizem, é o que mostram que ensina, já que as crianças aprendem sobretudo por observação e relação.

 

Na prática: Estratégias para promover o autoconhecimento e a gestão emocional

   

Mediação Emocional: Este processo é fundamental para ajudar a criança a compreender o que sente e a encontrar formas mais ajustadas de reagir. Aos 7 anos, por exemplo, mais do que “traduzir” as emoções, o adulto pode ajudá-la a refletir: “O que achas que te deixou zangado? Foi mais o que ele disse ou o que pensaste que ele quis dizer?”. À medida que crescem, esta ajuda pode tornar-se mais complexa. Por volta dos 10 anos, o adulto pode apoiar a reformulação do pensamento: “Percebo que te sintas injustiçada, mas há outras formas de reagir que te fazem sentir melhor depois.” Estas conversas não precisam de ser longas ou formais, o mais importante é criar um espaço de escuta e curiosidade, em que a criança se sinta compreendida e acompanhada.


Rotinas de nomeação emocional: criar momentos regulares para falar sobre sentimentos, através de histórias, desenhos ou perguntas simples como “como te sentiste hoje?”. Pode ser útil que o cuidador também partilhe o seu dia e depois convide a criança a fazer o mesmo.


Modelagem do adulto: os adultos devem verbalizar o seu próprio processo de regulação (“estou irritado, vou respirar fundo para me acalmar”), mostrando que sentir irritação (ou outras emoções) é normal e que há formas de lidar com isso.


Dar forma às emoções: É importante que as crianças tenham formas concretas de expressar o que sentem. Uma ideia simples é criar um termómetro emocional, desenhado com cores que correspondam a diferentes emoções ou intensidades para que a criança mostre onde está no momento. Também se pode usar um diário de emoções, onde regista com palavras ou desenhos como se sentiu durante o dia. As histórias e o brincar ao faz de conta são outra forma poderosa de trabalhar emoções: ler juntos livros em que as personagens enfrentam desafios emocionais ou encenar situações (“e se fosses tu nesse lugar?”) ajuda a criança a explorar sentimentos e soluções possíveis.


Mindfulness adaptado à idade: exercícios curtos de respiração ou atenção plena podem ajudar as crianças a recentrar-se e acalmar o corpo e a mente.

Sugestão:  Jogo do “ouvido atento”: durante um minuto, a criança fecha os olhos e tenta identificar todos os sons que consegue ouvir ao perto e ao longe. Estes momentos de pausa ajudam a treinar a atenção e a autoconsciência de forma lúdica e acessível.


Feedback Positivo: Valorizar e reforçar os momentos em que a criança consegue autorregular-se (“vi que estavas frustrado e escolheste esperar um bocadinho, isso foi ótimo”) fortalece a autoestima e o sentido de competência emocional. Ajustar as expetativas à idade e valorizar os pequenos progressos é essencial para que se sinta capaz e motivada a continuar a aprender.

 

Em síntese, estas idades trazem um enorme crescimento emocional, feito de novas formas de pensar, sentir e compreender o mundo. O autoconhecimento e a gestão emocional vão-se construindo no dia a dia, nas pequenas aprendizagens e nas relações. Quando os adultos acompanham este caminho com empatia e escuta, fortalecem não só a segurança emocional das crianças, mas também a relação que as une, relação essa que será sempre o melhor ponto de partida para crescer.


Inês Carpinteiro, Psicóloga Clínica

 

 
 
 

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